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domingo, 23 de outubro de 2022

ARRUMA A MALA E ENTREGA A CHAVE - FORRÓ DO LULA - Música de Lula - Lula 2022(MP3 160K)

ARRUMA A MALA E ENTREGA A CHAVE - FORRÓ DO LULA - Música de Lula - Lula 2022(MP3 160K)

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sexta-feira, 13 de julho de 2018

 JORNAL DE IPIAU

O jornal de Ipiaú  foi fundado por Joanito  Rocha,  portava o  slogan: Uma Imprensa livre para todos.
as edições das décadas de 1960 e 1970 deixa um legado histórico de desmesurado valor que tentarei transmitir aqui algumas dessas descrições

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terça-feira, 28 de julho de 2009

TROVADORISMO: ORIGENS DA EXPRESSÃO NORDESTINA

OS TROVADORES:
DE FONTE LUSITANA PARA O NORDESTE BRASILEIRO
Profª Maria de Lourdes Bezerra, (2001)
Postado em julho de 2009
Filosofa, poetisa.

Quando Afonso VI de Leão constituiu o Condado Portucalense em 1097, a literatura oral em galego-português já existia ali há cerca de dois séculos, como em outras regiões da península. Eram poesias em torno de motivos amorosos, compostas por pessoas de diversos estados sociais e apresentadas por jograis e trovadores em espetáculos que incluíam música e dança. No entanto, os documentários só existem a partir do século XII. Assim afirma ABDALA JUNIOR:

O primeiro documento galego português foi de Paio Soares Taveirós “Cantiga de Ribeirinha”,de 1189 ou 1198. Muito outros trovadores se destacaram: D.Dinis o rei trovador,João soares de Paiva, João Garcia de Guilhade, Martim Codfax, Nun Fernandes Torneol e outros.(ABDALA JUNIOR , 1990, p:18)

Os poetas galego-portugueses estavam também presentes no século XIII tanto na Corte Portuguesa de D. Afonso III como na Corte do rei de Castela. O próprio Afonso X, o Sábio, foi autor de cantigas em galego-português. Os três gêneros praticados eram: a cantiga de amor, na qual o poeta se dirige a uma mulher; a cantiga de amigo, em que uma mulher, no texto, se dirige a seu amado e a cantiga de escárnio e maldizer.
A cantiga de amor era, em geral, de caráter mais culto, de âmbito palaciano, e sua tradição remontava às raízes provençais.

Na cantiga de amor o trovador fala das emoções do “eu” masculino. Diferentemente das cantigas de amigo, é aqui que o trovador assume o ideal do amor cortês. O amor não é a experiência vivida ou aguardada as margens da fonte mas é – acima de tudo – a experiência de amar sem ser correspondido, de sonhar como o objeto inacessível. E quanto mais inatingível se torna a figura feminina, mais ela é símbolo de perfeição e pureza. .(ABDALA JUNIOR , 1990, p:16)

Na cantiga de amigo percebem-se também tons de fundo popular, a liberdade bucólica, aldeã, as circunstâncias do dia-a-dia e a paroquial, em que se refere a lugares onde se marcavam os encontros sinalizando as expectativas e pretensões da mensagem sentimental, como igrejas, bosques e lagos.

As cantigas de amigo se caracterizam pelo fato de o trovador cantar a realidade da mulher: o “eu” feminino exterioriza suas emoções., aflições expectativas, encontros amorosos, desencontros etc. Nesse tipo de canção há formas e objetivos bastante particulares. Observa-se que a cantiga é comumente construída em paralelismos, a saber: a unidade rítmica não é a estrofe mas o conjunto de estrofes ou um par de dísticos (duas estrofes de dois versos). Esse par de dísticos sempre procura dizer a mesma idéia . E o ultimo verso de cada estrofe é o primeiro verso da estrofe seguinte. .(ABDALA JUNIOR , 1990, p:14)

Bem diferentes ainda, eram as cantigas de escárnio e maldizer, na qual o poeta, no primeiro caso, satiriza uma pessoa sem identificá-la e, no segundo, a ataca diretamente.

Empregando uma linguagem bastante popular , os trovadores preocuparam-se em denunciar os falsos valores morais de todas as classes da época: senhores feudais, clérigos, povo e eles próprios. Pelo seu conteúdo informativo, essas cantigas apresentam valor mais histórico do que literário” (MOURA, 1998, p.414)

Tais cantigas chegavam com freqüência ao obsceno ou investida à política já que assumiam um sentido mais pessoal, de crítica e ironia. Uma alusão, ou uma referência declarada, aos fatos reais, muitas vezes com pormenores grosseiros e até obscenos, explica-se talvez pelo fato de serem obra de jograis, homens de condição social inferior. Já a poesia idealizada das cantigas de amor e de amigo é obra de trovadores, quase sempre fidalgos.
A poesia trovadoresca se desenvolveu a partir do centro cultural de Santiago e Compostela e se irradiou por toda a Galiza e norte de Portugal. Julga-se que sua fase de maior esplendor foi no Reinado de Afonso III.
É necessário ressaltar que, na produção poética dessa primeira época da Literatura Portuguesa, a influência dos árabes na Andaluzia, dos trovadores da Alemanha (Minnesänger) e da Itália e, principalmente, dos autores provençais, cuja poesia pode ser considerada a matriz de toda a lírica européia medieval.
A atividade dos autores que hoje se conhecem através da compilação dos cancioneiros foi, portanto, precedida de uma tradição oral, cultivada principalmente pelos jograis (ou segréis, como também foram conhecidos na península ibérica), trovadores ambulantes cuja existência se registra em todos os povos românicos medievais.
Grande parte desses cancioneiros são dedicados à poesia satírica, cantigas de escárnio e maldizer, que se caracterizavam pela linguagem obscena, criados na sua maioria pelos jograis, A Sanha jogralesca, desenvolvia uma licenciosidade pontilhada de malícias e rivalidades advindas eram desculpadas pelos excessos de embriagues, boemias e marginalidades e graças às suas origens bem populares denotavam a libertinagem das intrigas. Seus versos eram alternados com refrões viciados e maledicentes e que posteriormente fora também cultivado pelos reis como foi o caso de D. Diniz e D. Afonso X. :

A grande época da cultura trovadoresca ou das cantigas foi entre 1250 e 1350. Essa literatura cantada foi registrada em coleções. Os cancioneiros. Eles nos dão mostra de uma literatura peninsular, em língua galego-portuguesa, e não propriamente de uma literatura portuguesa, como se houvesse na época uma só literatura romântica peninsular .(ABDALA JUNIOR , 1990, p:18)

Essa diferença identificava um jogral como uma figura emblemática do ambiente cultural mas que muito divertia, com seus textos e suas músicas, inumeráveis povoados e cortes. Eram pessoas que se dedicavam a entreter, tanto a população em geral quanto os nobres e monarcas. Vestia-se de forma extravagante e quase sempre eram portadores de instrumentos musicais como harpas, saltérios, alaúdes, gaitas etc., Acompanhado sempre de algum animal, viajavam de cidade em cidade, de corte em corte, e em cada lugar mostrava aos habitantes seus saberes e destrezas. Relatavam fatos históricos célebres ou notícias recentes, narravam contos épicos protagonizados por heróis míticos, cantavam, apresentavam números de prestidigitação e acrobacias. Em troca, recebia algum dinheiro, mas, sobretudo víveres e hospedagem.
Segundo BUENO:
Eram boêmios, sem moradia fixa no mais das vezes, vivendo das larguezas dos senhores nobres, dos clérigos quando não ficavam ao serviço de um trovador. O pagamento era feito sob espécie, em panos para a roupa e em cevada, nome em geral da alimentação na época medieval. (..) O trovador era nobre ou como tal considerado; tinha posses,pois devia manter jogral ou segrel que lhe executasse as composições. Não era de boa nota que o trovador ensoasse e muito menos executasses as suas cantigas; ele a apenas as compunha. (BUENO, 21)

Muitas vezes comparou-se o jogral ao trovador, o que não é certo, pois o segundo pertencia às classes altas e recitava composições originais, enquanto o jogral, procedente de uma camada social mais baixa, recebia pagamento por seu trabalho e não recitava versos próprios, mas alheios. Assim, converteu-se no principal transmissor de numerosos textos poéticos e relatos, que constituiriam o chamado mester de juglaría, expressão espanhola antiga equivalente a mister ou ofício de jogral, em oposição a mester de clerecía, arte literária própria dos clérigos medievais cultos. (Bueno, 1965, p: 22). Os jograis desenvolveram métodos próprios, caracterizados pelas improvisações e o estilo livre e narrativo.
ABDALA JUNIOR também confirma a posição de destaque de um trovador:
O jogral cantava a poesia ( a poesia estava ligada à musica), que era composta pelo trovador, mediante soldo. O trovador, de nível social superior, era em geral representante da nobreza . (ABDALA JUNIOR , 1990, p:13)

O que corresponde ao jogralista, tão presente na nossa cultura nordestino-brasileira é o nosso cordelista. As características são as mesmas, tanto nas suas formas extravagantes de apresentar os versos como nas reproduções das histórias, ora de forma poética, ora cômica, ora dramática, ora crítica, que vai desde As Proezas de Cancão de Fogo ao fim trágico e heróico de Lampião, passando pelas criticas da dupla atuação de Padre Cícero, entre o clérigo e o político, bem como a sua santificação em “carne e osso”.
Tanto quanto o Jogral da Idade Média o nosso Cordelista viaja pelas cidades do Brasil vendendo sua literatura, declamando e cantando repentes nas feiras do sertão nordestino. Os místicos e as grandes histórias de amor também são parte do seu acervo, alguns muito famosos até hoje, encontrados também nos grandes centros e nas feiras culturais, como “ O Pavão misterioso”,O homem que enganou o Diabo” e de tantas reproduções muitos perderam sua autonomia e já se publica como autor desconhecido.
Quadros em sua obra: Literatura Brasileira faz referências das reminiscências lusitanas na literatura do cordel nordestino.

A literatura popular, bem como a música, não se individualizaram, ao revés, embora possa ser conhecida a autoria se coletivizaram e percorrem vastas regiões para servirem de traço de união com a encantadora alma do povo. (...).É a presença da carne da alma coletiva, produzindo uma obra de arte perpetuadora do sentimento de um povo. É o denominador comum entre a criação artística e a psicologia da massa popular.. Citemos ainda uma quadrinha de cantadores baianos, que representa uma modificação e adaptação de outra que Carolina Michaelis* e Alberto Faria demonstram pertencera a vários povos que remonta a Petrus Lombardus, falecido em 1164: Como a luz trevessa o vidro/ Sem ele nada sofrer,/ O Cristo nasceu da Virgem,/ Sem ela deixar de ser. (QUADROS, 247)


As palavras descritas em Quadros traduzem uma face da nossa literatura que remonta de uma literatura folclorista portuguesa que por sua vez trouxe a influência dos provençais e de outros como Petrus Lombardus*.




Entre os jograis e trovadores na Idade Média, em Portugal se destacavam de fato grandes diferenças sendo este ultimo parte de camadas mais privilegiadas da sociedade, como já foi dito. Já em nossos dias os nossos trovadores e cordelistas são os mesmos, eles em geral cantam canções, criam os seus repentes e recitam as literaturas de composições próprias ou alheias, assim como reproduzem e criam ao mesmo tempo suas próprias histórias ora de gênero épico, lírico ou satírico. A maioria deles são escritores, poetas, cantores e compositores.
A poesia trovadoresca nordestinas reflete em suas tradições o épico e o lirismo da poesia portuguesa embora com característica muito próprias do seu povo, carregando uma autentica identificação das múltiplas expressões, traduzidas pelas suas raízes culturais históricas e geográficas.
Valdomiro Silveira Escritor, pioneiro no gênero regionalista, (1873-1941) numa Conferência em Santos, conforme o fragmento abaixo descrito extraído de textos preliminares da obra de Leonardo Mota: Violeiros do Norte; tece elogios aos trovadores do Brasil e os exalta perante os provençais da Idade Média.
Citando entre outros, Frederic Mistral (1830 -1914) escritor lusitano, que lutou pelo o movimento regional de revitalização da cultura da Provença e esta se estendeu a todo o sul da França, a língua e a literatura provençal nesse período voltaram a ter o brilho que haviam alcançado na Idade Média. (LAROUSSE, vol.6,p.3110.) Mota lamenta que:

Os nossos trovadores matutos não tiveram ainda um Frederic Mistral, de triunfante coragem, que se lhes declarasse igual e viessem por eles, até os jornais e até os livros, fazendo uma nova ‘Mirelle’, na linguagem característica da região.” (MOTA, 1976 XXXIX)

Xiquinha Ribeirôa brasileira-baina, tal qual uma Jogralessa lusitana da idade média (Mulheres igualmente dotadas das mesmas qualidades artísticas, mas como eram sempre pagas, recebendo o soldo, denominavam-se também soldadeiras – BUENO, 1965, p.21), viajava pelas cidades do nordeste e cantava modas de viola. O folclorista Anísio Melhor ao citar Xiquinha Ribeirôa declara como:
A mais afamada violeira do sertão da Bahia, de espírito andeiro não a deixava fazer pousada longa no lugar onde chegava. Sabendo manejar a viola, soltava o xale no ombro, prendia ao canto da boca um cigarro, manchava a negrura do cabelo com uma flor qualquer, e estava pronta para vencer léguas e lá ir derramar em oiças alheias a graça e a espontaneidade de seus repentes rústicos. Reveladora do encanto e da alma popular, de agradável sabor lírico: (MELHOR, 1935, p.5)
“Eu quando entrei nesta casa, / Entrei de coração vivo,/ Entrei como os meus olhos fôrro ,/ Sahi com elles captivo. Não pensei que rosa branca /Dentro dagua desmaiasse; / Não pensei que o teu amor / Tão depressa se acabasse.”(In: MELHOR, 1935, p.5,)

Os versos de Xiquinha Riberôa guardam a mesma sonoridade das cantigas de amor de Sá Miranda, (1481 – 1558) presente no cancioneiro geral, (antes deste viajar para a Itália, quando mudou o estilo para sonetos em decassílabos,). Isoto se explica porque Sá Miranda era famoso não só pelas quadrinhas em versos hexassílabos, mas pela feição lírica e monótona. (Estas eram também características próprias das cantigas de amor galego-portuguesa) O que limitava também a composição poética, para apenas, entre duas a quatro estrofes. Mas com a mesma sofreguidão dos amores perdidos sentido nos versos de Francisco de Souza brasileiro, e de outros, com as mesmas características na versificação e em simetria, similares também a muitos lusitanos de famosos cancioneiros:

“Comigo me desavim,/ sou posto em todo perigo;/não posso viver comigo,/ nem posso fugir de mim./. Com dor da gente fugia,/ antes que esta assim crescesse ;/ agora já fugiria /de mim,se de mim pudesse./ Que meio espero ou que fim / do vão trabalho que sigo,/ pois que trago a mim comigo/ tamanho imigo de mim?” (In: CAMPADELLI P,147)
Assi que me deu Deus tudo / para mais meu padecer;/ os olhos - para nos ver,/ coração para sofrer/ e lingua – para ser mudo/ (Francisco de Sousa In: CAPADELLI)
Senhora partem tão tristes/ meus olhos por vós meu bem,/ que nunca tão tristes vistes/ outros nenhuns por ninguém. (João Ruiz Castelo Branco In: CAPADELLI)


Nesta última estrofe, as rimas em alternância estão também presentes nas cantorias de Xiquinha.
O lirismo, o escárnio e maldizer também estão presentes em nossos literatos. A poesia de Gregório de Matos seja lírica, sacra, burlesca, erótica e satírica, está profundamente enraizada nessa realidade brasileira, especialmente em suas duas últimas vertentes, a erótica e satírica, que documentam os costumes e a vida moral, social e política da capital da colônia. Padres, freiras, militares, funcionários do governo, comerciantes, proprietários de terra, nobres, judeus, aventureiros, escravos e índios são personagens do vasto painel composto pelo poeta, que tratava sua terra tal como era sob os mais variados pontos de vista: Observemos os seus versos:
Político:

O demo a viver se exponha, / por mais que a fama a exalta, / numa cidade onde falta / verdade, honra, vergonha.(>>>) Valha-nos Deus ,o que custa,/ O que El-Rei nos dá de graça./que anda a justiça na praça/ Bastarda,vendida, injusta.


Também romântico:
“Mandai-me Senhores hoje,/
Que em breves rasgos
descreva do Amor ilustre prosápia,/
e do cupido as proezas”.

Em Gregório também aflorou o lirismo e o erótico picaresco, bem como os respectivos poemas: Rompe o poeta com a primeira impaciência querendo declarar-se e temendo perder por ousado e a uma freira, que satirizando a sua fisionomia fria e delgada, e aparentemente ausente de desejos, o poeta lhe chamou “Pica-Flor”

Anjo no nome, Angélica na cara,/ isso é ser flor e anjo juntamente. /Ser Angélica flor e anjo florente, /Em quem ,senão em vós se uniformara?
.......................................................................................
Se Pica flor me chamais,/Pica-flor aceito ser;/ mas resta agora saber;/ se no nome que me dais/ mateis a flor que guardais/ no passarinho melhor! Se me dais este favor/ sendo só de mim o pica, / e o mais vosso, claro fica,/que fico então Pica-flor.

Na atualidade encontramos em nossos poetas e cantores nordestinos, muito deste estilo erótico picaresco. Caetano em seu CD com Jorge Mautner: Eu não peço desculpas, apresenta na faixa 13: “Voa, Voa, Perereca”, que lembra o picaresco do Pica Flor de Gregório de Matos. Apesar de não ser uma característica forte desse autor, mas isso prova que essa característica é muito presente na alma de todo o poeta, mesmo quando não lhe é usual, como o nosso Caetano. E mesmo fugindo do estilo habitual, eventualmente ele compõe variantes como esta.
Jessier Quirino trovador e poeta, contemporâneo nordestino que canta e declama não só as “coisas”, mas também os problemas sociais e políticos do Nordeste e do Brasil. Nascido em Pernambuco, Jessier Quirino é um Jovem aparentando seus quase quarenta anos e pode ser visto nas estradas do sertão entre Bahia e Paraíba oferecendo suas composições aos transeuntes e viajantes. Seu disco de doze composições independentes (outros ainda não são conhecidos nesta região, mas muito populares em Pernambuco). Algumas já de domínio público entre os que admiram este estilo literário não é difícil obtê-lo. Suas cantigas traduzem também o lirismo bem como, sua prosa e poesia interpretada por ele mesmo numa linguagem muito própria do trovador nordestino, mas também é satírico e na maioria das vezes dirigidas aos políticos bem como esta: “Comício de beco estreito”:

Pra se fazer um comício / não carece de arrodeio / nem muito dinheiro não / Basta um F 4000/ Quarqué meio caminhão / Entalado em beco estreito / Um bandeirado mal feito /Cruzando em dez posição / Um locutor tabacudo /de converseiro cumprido / Um alto falante rouco / Que espalhe o alarido/ Microfone com flanela / Ou vermelha ou amarela /Conforme a cor do partido / Uma gambiarra velha /Banguela no acender / Quatro faixa de bramante / Escrita quarque dize/ Dois piston e um farol / Pode ate fica melhor/ Uma torcida pra torcer / Aí é só subir pra riba /Meia dúzia de corrupto /Quatro babão, ....... / uns oito capanga bruto /e acunhar na promessa / e a pisadinha e essa /três promessa por minuto./Anunciar a chegança /Do corrupto ganhador /Pedir o V da vitória /Do dedo dos eleitos / E mandar que os vira lata / Do bojo da passeata /Traga o homem no andor/(..) e terminada a campanha / faturada a votação / ......... povo pistão/ .......... caminhão /meta promessa programa/ é só mergulhar na grana / e curtir a posição.( Jessier Quirino Cd.1 fx 5)


O trovador nordestino anuncia em seus versos, um telurismo muito particular da sua terra, da sua gente e mesmo quando não se fala de seca, ou do apego saudosista, mesmo se falando de amor, há uma associação muito própria com o cotidiano natural do sertão: Veja em outro de seus poemas:
QUIRINO* - Espasmos de gafieira:

A madrugada sonâmbula, / esperta de cara inchada/ e quando espreguiça os braços, /espalha as brechas de luz/ pelas gretas da janela / assisto uma cena bela/ musicada a rouxinol/ é uma aurora escanchada /de pele rubra borrada/ parindo gema de sol,/ corococóis espaçados /dos galos gogóis de sola / encarrilhados “tô fracos” /dos guinés frangos de angola / mugidos, silvos, trinados / e restos de conversados/ ruídos de mundo a fora /, canecos da seus tibungos/ lá no fundo da biqueira / e banham lerões de náilon com seus colgates pastosos / de hálito brancos frescosos do céus da bocas quiseiras/ E o sino alegre blomblimba um blomblimbar animado /e velhos de bocas fundas /que insistem em ter pecados/ mastigam seus pai nossos/ e credos bem mastigados. /Cá pra nos os pecadores uma brisa viajeira / traz um cheiro de pão doce, /mas não haverá café sinto o fervor da fogueira ....

Entre tantos valores na nossa poesia popular além dos que já foram citados vários se destacam bem como: Catulo da Paixão Cearense. Escreveu letras para modinhas, choros e canções de autores célebres da época, como Anacleto de Medeiros e Ernesto Nazaré. Entretanto, sua letra mais famosa foi para Luar do sertão, modinha de João Pernambuco (João Teixeira Guimarães) que se tornaria um clássico da música popular. Entre seus livros de poemas, cabe citar Meu Sertão (1918), Sertão em flor (1919), Mata iluminada e Alma do sertão, ambos de 1928. Outras canções suas de sucesso foram Ontem ao luar e Tu passaste por este jardim. A obra musical de Catulo foi reunida numa coletânea publicada em 1963, para violão solo. .
Outros também como Zé da Luz, João Cabral de Melo Neto, alem de alguns mais modernos como o já citado Jessier Quirino, vem se destacando no cenário regional. Tambem a Literatura Brasileira, tem favorecido um grande destaque para Patativa do Assaré pelo grande acervo literário que ele produziu e foi considerado de grande valia para a nossa cultura.
Cantor das "coisas rudes e belas do sertão", Patativa do Assaré tornou-se o mais fiel cronista popular do Nordeste, improvisando sobre o tema da miséria e da injustiça social. Exemplo é esse trecho de sua cantoria que tem como fundamento a questão da Terra: "Se a terra foi Deus quem fez / Se é obra da criação / Deve cada camponês / Ter seu pedaço de chão.
A obra do repentista, calculada em mais de dois mil poemas e cantorias, é marcada pela crítica social e por uma surpreendente preocupação com o meio-ambiente.
Já na década de 1950 ele compôs um verdadeiro libelo ecológico intitulado A terra é naturá e a condição da mulher. O clássico poema musicado a Triste partida, interpretado e gravado por Luís Gonzaga, neste ele denuncia o descaso dos governos para com o Nordeste e o êxodo de nordestinos para o sul. Interpretados também por outros artistas regionais e de relevo nacional. Muitos dos poemas de Patativa do Assaré foram registrados em discos, mas ele próprio gravou apenas três. O último deles, de 1995, intitula-se 85 anos de poesia. Cante que eu canto Cá
Por iniciativa de pesquisadores foram publicados cinco livros de poemas: Inspiração nordestina (1956), Cantos de Patativa (1967) Patativa do Assaré (1970), Cante lá que eu canto cá (1974) e Ispinho e fulô (1988).
Em 23 de março de 1995 recebeu do presidente Fernando Henrique Cardoso a medalha José de Alencar. O Escritor Plácido Cidade Nuvens, escreveu um comentário sobre Patativa do Assaré, que foi incluído em textos preliminares de algumas literaturas pertinentes ao assunto, inclusive uma cópia se encontra em uma das obras do livro de Patativa: Cante lá que Canto Cá. Dizendo ele sobre este poeta trovador nordestino:

A figura legendária do poeta popular nordestino Patativa do Assaré, através da sua obra poética,oferece incomparável contribuição ao estudioso de problemas humanos que pretenda uma abordagem compreensiva da realidade do sertão nordestino.Sua poesia é vista como um conteúdo social, reflete todo o mundo visionário e fantasmagórico do caboclo.Pode-se identificar perfeitamente uma cosmovisão ou ideologia cabocla, desapontada com a modernização sedenta de justiça marcada pela saudade impregnada de misticismo ,serviçal, disponível, leal.

As realidades retratadas por Patativa do Assaré não se baseia apenas em romantismos nem é tampouco um desabafo, muito menos a afetação do seu telurismo, mas também a configuração marcante de uma vida social bem descrita de forma sensível participativa e integrante de alma vivida nesse universo que ele chama de “Meu sertão”

Quando uma seca inclemente/ Assola o nosso Nordeste/ Deixando a mata e o agreste /tudo triste e diferente/, que viaja a pobre gente/ Pra São Paulo e Maranhão,/ Deixando o caro torrão/ Onde contente vivia/ trabaiando todo o dia,/ é coisa do meu sertão – Em junho festivo mês/ Vê uma dança animada/ debaixo de uma latada/ Pelo dia 23/E a turma de camponês/ Na fogueira de /São João/ Uma a outro dando a mão/ Numa folia pacata/ Assando mio e batata/ É coisa do meu sertão.

Estes dados são apenas uma amostra do acervo da literatura de cordel nordestina, que até hoje é parte da vida do sertanejo que preza as suas raízes. Muitos estudiosos, estudantes, de literatura e populares do nordeste conhecem e preservam essa cultura. Na cidade de Ipiaú (Bahia) é fácil também encontrar arquivos vivos que possuem material sobre este tema e muitos poemas em cordel que denunciam a alma dessas origens. Não é difícil para aqueles que de fato reverencia sua cultura e a estima e para estes, não há profundidades de estudos, pois está inserido na essência e no cotidiano de todos os nascidos nessa região, seja em território de catinga ou agreste, ou mesmo onde não há seca. O coração nordestino é um só, sendo que para alguns se revela de forma mais clara, amis definida, outros não tão expressos ou mais reservados, mas no interior de cada um destes seres nordestinos, tem um coração ‘cantante’ de “repente” e cordel. Há um celeiro de poetas trovadores que enriquecem a literatura e as canções da Bahia e dos demais Estados dessa região.
O cantador do sertão


Senhores que aqui estão
Ouça o que vou lhes dizer
A língua do nosso povo
Descreve o seu viver
Pois é através da canção
Que lhe apresento o meu ser

O que vocês estão vendo
É a vida nordestina
E a canção que se ouve
Conta toda a sua sina
A cultura e a raça
De uma vida Severina

Linguagem que é muito própria
De uma gente sofrida
Que trás no folclore a história
De um coração sem guarida
Esmolando pelo sul
Remédio para as feridas

A seca leva o rebento
Leva homem e a mulher
Leva a planta, leva o gado
Mas não leva a nossa fé
Fé em Deus e fé na terra
Fé no amor de São José

Só cantando e só rezando
Prá esse chão tão deserto
Um dia vir a brotar,
E Fazer destino certo.
Cantar q’é pro mundo inteiro
Sentir a dor mais de perto

É através da cultura
Co’a linguagem da canção
Que passo a vocês agora
Um pouco dessa nação
E a diferença que faz
O homem desse sertão.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ABDALA JUNIOR, Benjamin -Historia Social da Literatura Portuguesa, Atica, 3ª edição, SP, 1990

ASSARÉ, Patativa – Cante Lá Canto Que Eu Canto Cá, Vozes,Ceará, 1968

CAMPEDELLI, Samira Youssef, Literatura História e texto,1995,Saraiva, SP

FERNANDES, Aparício – Poetas do Brasil, Folha Carioca, RJ, 1979

MELHOR,Anísio - Violas, Imprensa Vitória, Ba, 1935

MOURA, Faraco, Literatura Portuguesa, Ática.SP, 1998

OLIVEIRA, Clenir Bellezi, Arte Literária,Moderna ,SP,2001
.
QUADROS,Jânio - Literatura Portuguesa, Editora Formar,SP,1966.

BEZERRA, Lurdinha – Literatura de Cordel – O cantador do sertão, 2004. (acervo pessoal)

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quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

A MIRABELA EM NOSSA VIDA


Para o cidadão ipiauense

Por: Lurdinha Bezerra

Todas as pessoas que conhecem Lurdinha Bezerra conhecem a artista, a professora, a fazedora de cultura ou que seja: mais uma no meio dessa família ipiauense que, certamente, como todos, contribuiu para uma Ipiaú melhor.

Ipiaú, foi motivo de gáudio para toda a geração que a construiu e com ela os nossos valores morais, culturais, religiosos... Enfim a nossa crença num futuro melhor, para nós e para a nossa geração vindoura e isso sempre foi um sentimento de orgulho de ter a certeza de estar contribuindo para uma a historia de sucesso. Porém uma vez despojados dos bens materiais, fomos aos poucos substituindo os nossos valores por sentimentos menos nobres que nos destituiu da auto-estima que nos abrigava, e com ela se foi também a dignidade. Vivemos então, a mercê dos mais possuídos que se revestem com o manto de bons samaritanos para nos favorecer com a sua aparente bondade, sugando as sobras desse miserável torrão, que esmagado pela exploração exacerbada a qual sofreu por mais de um século e que, infelizmente já não se propõe mais, sequer, a suprir as necessidades básicas dos seus milhares de famintos que nele habitam (A cesta básica da prefeitura que o diga).

O desemprego obriga seus cidadãos a ceder e a ceder... Sempre ceder. Quem, por acaso, desses necessitados de um emprego para sustentar suas famílias, não está feliz com a Mirabela? A Mirabela está ai, para restaurar a dignidade das pessoas que há muito não tinham uma carteira assinada, com um bom salário, e muitos deles que não viam uma feira de mês completa na sua casa, ou um cartão de crédito, enfim tudo que um ser digno deve ter. E para aqueles que não precisam do emprego, a cidade esta crescendo, o comércio intensifica, a educação torna-se agora uma preocupação maior. Enfim, todos ganham, menos a nossa consciência, pois no fundo ela – a consciência - sabe que estamos nos prostituindo, cedendo a nossa agonizante terra para receber em suas entranhas o ultimo golpe de misericórdia.

Nossa Mãe está à venda, ou melhor, foi vendida, pois, nada mais possuíamos para vender e poder alimentar nossos filhos ou para garantir o seu futuro. Um futuro, talvez de um titulo na faculdade para conquistar depois um bom emprego. Quem sabe na Mirabela! E será que ela estará aqui quando eles crescerem? Para quem será que os nossos filhos irão trabalhar depois da nossa terra morta? Quem ficará aqui para recolher os despojos? Os cegos estarão mais cegos, os surdos estarão mais surdos, Os falantes estarão roucos e tísicos de tanto falar, ou quem sabe, vencidos seguiram o destino dos demais e assinou a sua carteira para garantir a sua aposentadoria. E a Mirabela? Onde estará? Talvez buscando outras fontes de riquezas em paises de necessitados como o nosso de gente necessitada como a nossa, de prostitutas que venderam suas mães como nós. Estará lá, num outro terceiro mundo constituído de esfomeados, que tudo aceita por um pedaço de pão e um circo bem armado e divertido para que não sintamos a dor de uma morte lenta.

Lurdinha Bezerra

Email: lubezerra.83@hotmail.com

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quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Quem sou eu

NASCI ASSIM

Sou Lurdinha Bezerra, nasci em Patos na Paraíba e cheguei em Ipiaú-BA com um mês de idade.
Meu avô era tropeiro e viajava com uma tropa de animais desde o início do século passado, percorrendo os estados de Paraíba, Pernambuco e Bahia vendendo “Mangalhos” era este o nome dado a diversidade de mercadorias que levava e trazia, ficando assim, conhecido pelo nome de “Zé Magalheiro” e foi assim que ele descobriu esta comunidade, sob a denominação de Alfredo Martins. O comércio do “mangalho” foi intensificando à medida que esta região progredia, ficando ele cada vez mais tempo distante da família. Então resolveu trocar a tropa por dois caminhões, vendeu todos os bens que tinha na Paraíba e em Pernambuco e abriu aqui a primeira indústria manufatureira de calçados. Trouxe mais de cinqüenta famílias do nordeste para trabalhar aqui na região, vinte das quais trabalharam com ele na indústria. Em 1958 fechou a indústria para abrir uma Loja de couro e calçados: SAPATARIA PARAIBANA, situada à Praça Virgílio Damásio. Ficou então reconhecido pelo seu verdadeiro nome: José Sebastião de Souza.
A família veio depois, em maio de 1952 primeiro os filhos mais velhos, e quatro anos depois a esposa D. Ester e os filhos menores. Todos aqui se adaptaram, e outras gerações se seguiram.
Aqui estou, com um pouco mais de meio século, apaixonada por esta terra; a única que reconheço como minha e que se fez minha mãe e amada, pois foi aqui que aprendi a ser o que sou.

CRESCI ASSIM:

Vi Ipiaú se desenvolver, tomei banho nos rios da Água Branca e Rio das Contas, cresci escrevendo e declamando poemas, e fazendo pecinhas de teatro nas escolas. Ouvi todas as histórias e “causos” do coronelismo, das origens deste município, do Padre Fileto, de ex-escravos dos agregados - escravos brancos das fazendas de cacau -, (histórias que terão oportunidade de conhecê-las aqui nos meus contos e crônicas). Conheci figuras interessantes, que fez parte da nossa história. Presenciei as campanhas políticas de Urbano Cem Conto. Fui freqüentadora assídua do Cine Éden. Vi a primeira Igreja cair naquela enchente de 1963.
Enfim, sou uma das testemunhas desse “progresso” e Ipiaú foi de fato Município Modelo.
Mas penei muito diante do paradoxo: “Pai e coronel” era a figura representativa do latifundiário, os donos das terras.
Penei mais ainda em ter que dividir Euclides Neto: O ser humano que foi, do fazendeiro que em geral mantinha a imagem de opressor., mas preferi o primeiro, e seu lado humanitário foi comprovado pelas suas ações.
Vivi a minha vida em defesa de uma história construída com sangue, suor e muita luta em favor da justiça e da igualdade de todos os nossos conterrâneos. Não sei se consegui grande coisa, mas não me dou por vencida, pelo contrário estou em paz comigo.


O RESGATE:

A CULTURA foi o meu portão de entrada para este mundo de grandes batalhas que eu e muitos dos meus amigos enfrentamos, dentre eles: Oto Américo, Zé Américo, Albene, Janeide, Chita, Jorge Binho... e tantos que se foram, muitos que permanecem conosco e outros que foram se agregando em favor da causa. Alguns anônimos, outros bem conhecidos, porém todos eles, ainda que afastados fisicamente, continuam unidos pelo mesmo ideal.
Fui a primeira locutora de Ipiaú. A primeira voz feminina a falar na Rádio Educadora de Ipiaú, e me atrevi a denunciar as injustiças pelo bem comum. Minha língua não se calava, e por isso, estive a maior parte do tempo desempregada. Amada e ao mesmo tempo rejeitada. A heroína e a ré. A ovelha querida, mas perdida.
Fiquei sempre pelo fio da navalha, que a sociedade sabe muito bem como afiá-la e para quem apontá-la. Porém, entre estas faces antagônicas que a sociedade me doou, eu venci. Enterraram tudo que lhes desagradava e coroaram as minhas vitórias. Que confesso, foram muito poucas, dado as longas batalhas que eu e muitos dos nossos conterrâneos enfrentamos.
Acredito que mais perdas que vitórias. Pois perdemos a dignidade como artistas – não temos empregos e quase não temos trabalho nesta cidade - perdemos o Cine Éden, perdemos o rio Água Branca e estamos perdendo Rio das Contas. Perdemos o Museu, a Casa da Cultura, O Colégio Rio Novo e estamos perdendo a Fundação Hospitalar.
Enfim, estamos perdendo todos os nossos patrimônios e com eles a nossa história. Estamos realmente completos? Inteiros? Temos de fato uma identidade cultural? Acho que a perdemos também.

Lurdinha Bezerra
lubezerra.83@hotmail.com


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terça-feira, 27 de janeiro de 2009

CORPO,ARTE E EXPRESSÃO!

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segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Apresentação Google docs

RAÍZES DA ÁFRICA
Cantigas e contos e do negro Tomas

Não há dúvida, estamos no inverno. Hoje pela madrugada perturbando o silêncio da roça antes do cantar do galo que é o primeiro a anunciar o dia no terreiro, os capados do chiqueiro da lado da casa já começam a grunhir.
Um ventinho impertinente entra pelas frechas da casa e o frio aperta. Antes mesmo do amanhecer o fogo de lenha está aceso na cozinha.
Quando os ricos ainda desfrutam das suas esplendidas camas macias, o frio espanta a gente que trabalha no roçado e corre para o pé do fogão, apreciando o cheirinho do café que vai se desprendendo do vapor do coador preto e comprido que Rita escoa da chaleira para o bule.
Um barulho nos quartos do fundo ressoa, e de cá da cozinha já se espera a chegada do velho Tomás que se levanta cheio de gemidos de dores nas costas, mas com ânsias corre para se juntar ao resto da família, para esquentar o corpo da friagem.
Tia Poli de toalha no ombro, vai encher a cabaça de água que ele apara em porções com as mãos em côncavo, lavando o rosto sem deixar de gemer. Lava o rosto e vai tomar o café preto quente e gostoso, adoçado com rapadura, rapadura que ele mesmo fabrica no fundo do quintal.
O sol se levanta e o frio dá lugar a uma brisa fresca. Tia Poli vai correndo abrir as janelas e sai na varanda enrolando as redes e depois com a vassoura sai desempoando toda a casa.
No terreiro já se avista os roceiros de enxada no ombro, todos em fila cantando em direção a roça do cacau. Um canto triste e ritmado que combina com o trinar dos pássaros e o cantar das saracuras, numa percussão harmoniosa, acompanhado pelo refrão do cocoricó do galo.
Uma meninada debanda em corrida desabalada, perturba o canto, todos de vara de pescar nas mãos em direção ao rio. Corremos para a varanda a cumprimentá-los aos gritos: _”ô cumpade Geremias, bom serviço, meu cumpade” assim dizia a tia Poli, todo mundo pra ela é cumpade, é cumade.... E asssim o dia na roça começava.
Nas baixadas cantavam frangos-d’água, galinhas d’angolas,os curiós. Do pomar se ouviam os cantos dos canários, papa-capins, sanhaços, sabiás, bem-te-vis, rolinhas e tico ticos. Da grota os sons metálicos, tinindo e retinindo no martelar das arapongas.
Almoçávamos cedo, e logo depois do almoço as famílias da vizinhança se achegavam, cada uma com uma penca de filhos acaboclados, confirmando a fecundidade do matuto nordestino. Cumprimentos que se esboçam no sorriso tímido e nas pontas dos dedos, timidez que contraria o proseado alegre e sem fim na varanda com Rita e minha tia Poli, que não largavam suas costuras e se estrebuchavam em gargalhadas, furavam os dedos, chupavam o sangue e em segundos, retornavam às prosas, e a gente no meio da caboclada brincando do terreiro.
Os casos eram sobre a mulher bonita que Tião o filho do vaqueiro trouxe da cidade, muito vaidoso com a bonitona, tanto se esnobou, que acabou ela lhe plantando dois belos chifres no meio da testa, com os pescadores da fazenda vizinha e quando foi pega em situação desavisada, desapareceu pelo mato afora largando as calcinhas debaixo da mangueira, e quanto aos pescadores estes correm até hoje. Os casos das festanças da região, as mentiras de pescadores que o cabo Estrela conta e que ninguém acredita, e tem que fingir que é verdade, porque seu parabélum na cintura não permite que ninguém o desmentisse.
A tardinha, toda a caboclada de volta sumia no pé da montanha. Nunca fui até lá, mas Rita contava que volteando a montanha era a casa do seu Pereira, pai e tio daquela ninharada de filhos, tinha uma roça de cacau e um canavial de fazer gosto.
A noite era mais divertido! No cair da tarde, já começava com a viola e depois os causos de trancoso que fazia arrepiar os cabelos. Uma estória nunca se repetia; tinha de caipora, de saci, do lubisomen, da mulher de branco, sem contar das almas dos defuntos que visitavam em sonhos ou apareciam em visão, os parentes ou amigos, para desencavar ouro que eles enterraram em vida, e que alguém tinha que desenterrar, pois, só assim alma poderia ter descanso e até receber a salvação.
O velho Tomás garantia que foi desencavando um ouro ali debaixo daquela varanda que o nosso pai tinha comprado aquela terra. Essa era a única estória que ele repetia, porém a cada vez que contava, tinha uma ilustração a mais.
Meu pai era tropeiro, e viajando por aquela região, conheceu o coronel Justino um homem severo, tão severo que morreu só, nem a família quis saber dele, mas gostou do meu pai que passava de tempos em tempos, para trazer as mercadorias que o coronel precisava, para surtir o armazém. Foram muitos anos de amizade e quando o coronel se viu só e doente, mandou chamar seu amigo pra dizer que ia acabar com tudo, e não deixar nada pros seus herdeiros.
Meu pai, que ainda não era meu pai, ficou com ele até a sua morte e a família quis vender a fazenda, que foi o único bem que restou. Então ele tinha que deixar tudo e botar a tropa de novo na estrada, mas quando estava prá ir embora sonhou com o coronel lhe dizendo onde estava o ouro que ele guardara em vida, e segundo seu Tomás: _Não é que estava ali mesmo, no lugar certinho que a alma do coroné dissera?
E assim ele comprou a fazenda, ali viveu, casou-se ficou viúvo e casou-se de novo com a tia Poli, irmã da minha mãe, e quando ele morreu e tia Poli tomou conta de tudo.
Isso é o que garante seu Tomas, porque Tia Poli nunca confirmou nada. Fica sempre calada e não gosta quando ele contava essa historia. Mas todo mundo respeita o velho Tomás, afinal ele nunca abandonou a Tia Poli e tomou a frente de tudo enquanto pôde e faz questão disso até hoje, é respeitado por todos.
Ás nove horas, segundo o horário da lua, todos iam dormir, e seu Tomás ficava fechando as portas e apagando os candeeiros, ouvíamos seus passos e adormecíamos com os sons dos seus suspiros e gemidos. Às vezes ecoava um canto uníssono pelo nariz, que trazia uma canção triste lá das suas raízes africanas, e todos adormeciam um sono de retorno a um passado que nunca mais retornará. Tenho, até hoje a impressão, que ele cantarolava no propósito de nos embalar ao passado mesmo, para que tivéssemos de fato a certeza de que aquelas terras eram deles mesmos, de todos os negros vindos da África que construíram todas as casas e plantações que ali existiam. Era uma canção triste, mas senhorial.

: http://docs.google.com/Doc?id=dfr6xks3_1hd2tgsdj

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